terça-feira, 10 de fevereiro de 2004

Por isso mesmo, reproduzo por hora um texto que elaborei a partir de frases de um livro da Clarice Lispector. O livro por hora esta com a Ines (espero que o livro seja tao importante na vida dela quanto foi na minha).

Sabe quando um texto, apesar de alguns anos da sua elaboracao, continua sendo o retrato mais perfeito da sua pessoa, seus anseios e expectativas? Pois entao... Disse que nao ia explicar nada, mas no fim, sigo o meu raciocinio incoerente e acabo explicando mais do que devia. Ainda que por caminhos tortuosos. Ainda que admita que a coerencia eh uma qualidade vizinha da naturalidade. E eu nao consigo ser coerente naturalmente. Porque eu sou a incoerencia.

O que mais me surpreende é saber que eu continuo sendo a mesma garota (ou sera que, por conta da idade, ja deveria escrever mulher?) que escreveu esse texto ha 3 anos atras.


IDENTIFICAÇÕES


Terei que morrer de novo para de novo nascer? Aceito.

Por enquanto o tempo é quanto dura um pensamento. Assim o mais profundo pensamento é um coração batendo.
Atrás do pensamento não há palavras: é-se. Não quero contar nem a mim mesma certas coisas. Seria trair o é-se. Sinto que sei de uma verdade. Que já pressinto. Mas verdades não têm palavras.

Andar na escuridão completa à procura de nós mesmos é o que fazemos.
Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: eu quero é uma verdade inventada.

Minha essência é inconsciente de si própria e é por isso que cegamente me obedeço. Ah tenho medo do Deus e do seu silêncio.

O que eu não vejo não existe? O que mais me emociona é que o que não vejo contudo existe. Será que eu reconheceria a verdade se esta se comprovasse? A verdade última a gente nunca diz.

Não gosto é quando pingam limão nas minhas profundezas e fazem com que eu me contorça toda. Os fatos da vida são o limão na ostra? Será que a ostra dorme?

Ocorreu-me de repente que não é preciso ter ordem para viver. Não há padrão a seguir e nem há o próprio padrão: nasço.

Estou sentindo o martírio de uma inoportuna sensualidade. Porque eu sou uma pergunta. Sou até ingênua porque me entrego sem garantias. Nada existe de mais difícil do que entregar-se ao instante. Esta dificuldade é dor humana. O que me guia apenas é um senso de descoberta. Atrás do atrás do pensamento.

Mesmo para os descrentes há o instante do desespero que é divino: a ausência do Deus é um ato de religião. Neste mesmo instante estou pedindo ao Deus que me ajude.

Mas se eu esperar compreender para aceitar as coisas - nunca o ato de entrega se fará. Tenho que dar o mergulho de uma só vez, mergulho que abrange a compreensão e sobretudo a incompreensão. E quem sou eu para ousar pensar? Devo é entregar-me. Como se faz? Sei porém que só andando é que se sabe andar e - milagre - se anda. Recuso-me porém a qualquer missão. Não cumpro nada: apenas vivo. Quando penso no que já vivi me parece que fui deixando meus corpos pelo caminho.

Mas quero ter a liberdade de dizer coisas sem nexo como profunda forma de te atingir. Só o errado me atrai, e amo o pecado, a flor do pecado.

Como fazer se não te enterneces com meus defeitos, enquanto eu amei os teus. Minha candidez foi por ti pisada. Não me amaste, disto só eu sei.

Diga-me por favor que horas são para eu saber que estou vivendo nesta hora.


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