quarta-feira, 5 de setembro de 2001

Voltei agora da terapia.
Pensei que quando voltasse de lá, eu ia estar melhor, mais calma, etc. Ledo engano. Tou me sentindo pior porque eu acabei falando de todas as coisas que estavam me incomodando, colocando tudo para fora e agora essas coisinhas (que sao coisonas na verdade) ficam aqui me rondando, eu só encontro uma solução: ler Clarice Lispector. (Às vezes ficar pensando é martirio muito maior e nao leva a nada.)

Vou fazer aqui um apanhado de frases que são muito "eu" e que tem por isso um grande simbolismo para mim. Frases do livro Água Viva, da Clarice. Não tem que se guie pela bíblia? Pois eu me guio por algo que está além das meras palavras e de argumentos de autoridade. Eu guio-me pelos meus sentimentos, pelas minhas vontades e pelos diferentes "eus" que se apercebem dentro de mim quando eu acordo. E será que eu acordo? De fato, não sei. O que eu sei é que todas as manhãs eu sinto o sol nos meus olhos e me vejo viva. Ou pelo menos pulsando. É a essa pulsação que eu atribuo o nome de vida. Se é vida de fato ou é ausência dela, eu não sei. Só sei que pulsa e que não é morte. Só sei que existe e eu não a temo mais. Pelo contrário, eu a amo demais. É um estado apaixonante esse sentimento pulsante pela vida. Se eu pudesse me apresentar, eu faria assim (como está lá no texto).

Já fizeram isso? Um texto com trechos de um livro com os quais vcs se identificam muito?
Vou dialogar com vocês por intermédio de palavras que não são minhas e eu queria muito que vocês mais do que lessem, sentissem o que eu tou querendo dizer. Será que é possível? Vamos tentar? ;)
Farei algumas adaptações para estabelecer a coerência, mas farei as mínimas adaptações.


Identificações

Terei que morrer de novo para de novo nascer? Aceito.

Por enquanto o tempo é quanto dura um pensamento. Assim o mais profundo pensamento é um coração batendo.
Atrás do pensamento não há palavras: é-se. Não quero contar nem a mim mesma certas coisas. Seria trair o é-se. Sinto que sei de uma verdade. Que já pressinto. Mas verdades não têm palavras.

Andar na escuridão completa à procura de nós mesmos é o que fazemos.
Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: eu quero é uma verdade inventada.

Minha essência é inconsciente de si própria e é por isso que cegamente me obedeço. Ah tenho medo do Deus e do seu silêncio.

O que eu não vejo não existe? O que mais me emociona é que o que não vejo contudo existe. Será que eu reconheceria a verdade se esta se comprovasse? A verdade última a gente nunca diz.

Não gosto é quando pingam limão nas minhas profundezas e fazem com que eu me contorça toda. Os fatos da vida são o limão na ostra? Será que a ostra dorme?

Ocorreu-me de repente que não é preciso ter ordem para viver. Não há padrão a seguir e nem há o próprio padrão: nasço.

Estou sentindo o martírio de uma inoportuna sensualidade. Porque eu sou uma pergunta. Sou até ingênua porque me entrego sem garantias. Nada existe de mais difícil do que entregar-se ao instante. Esta dificuldade é dor humana. O que me guia apenas é um senso de descoberta. Atrás do atrás do pensamento.

Mesmo para os descrentes há o instante do desespero que é divino: a ausência do Deus é um ato de religião. Neste mesmo instante estou pedindo ao Deus que me ajude.

Mas se eu esperar compreender para aceitar as coisas - nunca o ato de entrega se fará. Tenho que dar o mergulho de uma só vez, mergulho que abrange a compreensão e sobretudo a incompreensão. E quem sou eu para ousar pensar? Devo é entregar-me. Como se faz? Sei porém que só andando é que se sabe andar e - milagre - se anda. Recuso-me porém a qualquer missão. Não cumpro nada: apenas vivo. Quando penso no que já vivi me parece que fui deixando meus corpos pelo caminho.

Mas quero ter a liberdade de dizer coisas sem nexo como profunda forma de te atingir. Só o errado me atrai, e amo o pecado, a flor do pecado.

Como fazer se não te enterneces com meus defeitos, enquanto eu amei os teus. Minha candidez foi por ti pisada. Não me amaste, disto só eu sei.

Diga-me por favor que horas são para eu saber que estou vivendo nesta hora.



Ufa, acho que consegui. Que tal?

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